R.E.P.E.

(Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros)


DATA:
Quarta-feira, 4 de Setembro de 1996
NÚMERO: 205/96 SÉRIE I-A
EMISSOR: Ministério da Saúde
DIPLOMA/ACTO: decreto-lei n.º 161/96

SUMÁRIO: Aprova o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros

PÁGINAS DO DR: 2959 a 2962

TEXTO: Decreto-lei n.º 161/96 de 4 de Setembro

    1 — A enfermagem registou entre nós, no decurso dos últimos anos, uma evolução, quer ao nível da respectiva formação de base, quer no que diz respeito à complexificação e dignificação do seu exercício profissional, que torna imperioso reconhecer como de significativo valor o papel do enfermeiro no âmbito da comunidade científica de saúde e, bem assim, no que concerne à qualidade e eficácia da prestação de cuidados de saúde.

    2 — Verifica-se, contudo, que o   exercício profissional da  enfermagem não dispõe    ainda   de  um  instrumento  jurídico   contendo  a  sua   adequada regulamentação, carência que o presente diploma precisamente visa  colmatar. Com efeito, independentemente  do contexto jurídico institucional  onde o enfermeiro desenvolve  a sua   actividade — público, privado  ou em  regime liberal —, o seu  exercício profissional  carece de  ser regulamentado, em ordem a  garantir que  o mesmo  se desenvolva  não só  com salvaguarda  dos direitos e normas deontológicas específicos  da enfermagem como também  por forma a proporcionar  aos cidadãos deles  carecidos cuidados de  enfermagem de qualidade.

    3 — O  presente diploma clarifica  conceitos, procede à   caracterização dos cuidados de enfermagem, especifica  a   competência  dos   profissionais legalmente  habilitados   a  prestá-los  e  define  a  responsabilidade, os direitos e os deveres dos mesmos profissionais, dissipando, assim, dúvidas e prevenindo equívocos por vezes suscitados  não apenas a nível dos  vários elementos integrantes das  equipas de saúde  mas também junto  da população em geral.

    4 — A regulamentação do exercício  profissional da enfermagem, a que  agora se procede, corresponde também aos  princípios decorrentes da Lei de  Bases da  Saúde  (Lei  n.º 48/90, de  24  de   Agosto) e, designadamente, aos consignados na alínea c) da base XIV, no n.º 1 da base XV e no n.º 2 da  base XL da mesma lei.

    5 — Foram ouvidas, sobre o  conteúdo do  presente diploma, as estruturas associativas e sindicais representativas dos enfermeiros.

    Assim:

    No desenvolvimento do  regime jurídico estabelecido  pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, e nos termos da alínea c)  do n.º 1 do  artigo 201º da Constituição, o Governo  decreta o seguinte:


CAPÍTULO I


Objecto e âmbito


Artigo 1º

Objecto

    O  presente  decreto-lei  define  os  princípios  gerais   respeitantes ao exercício profissional dos enfermeiros, constituindo o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE).

 

Artigo 2º

Âmbito institucional

    1 — O REPE é, no território nacional, vinculativo para todas as entidades empregadoras dos sectores público, privado, cooperativo e social.

    2  — Sem  prejuízo do disposto no número anterior, são aplicáveis aos enfermeiros as normas jurídicas definidoras do regime de trabalho que vigorem nos organismos onde aqueles desenvolvam a sua actividade profissional.

 

Artigo 3º

Âmbito pessoal

    São abrangidos pelo REPE todos os enfermeiros que exerçam a sua actividade no território nacional, qualquer que seja  o regime em  que prestem a sua actividade.

 


CAPÍTULO II


Disposições gerais


Artigo 4º

Conceitos

    1 — Enfermagem é a profissão que, na área da saúde, tem como objectivo prestar cuidados de enfermagem ao ser humano, são  ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em  que ele está integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-os a atingir a sua máxima capacidade funcional tão rapidamente quanto possível.

    2 — Enfermeiro é o profissional habilitado com um curso de enfermagem legalmente reconhecido, a quem foi atribuído um título profissional que lhe reconhece competência científica, técnica e humana para a prestação de cuidados de enfermagem gerais ao indivíduo, família, grupos e comunidade, aos níveis da prevenção primária, secundária e terciária.

    3 — Enfermeiro especialista é o enfermeiro habilitado com um curso de especialização em enfermagem ou com um curso de estudos  superiores especializados em enfermagem, a quem  foi atribuído um título  profissional que lhe reconhece competência científica, técnica  e humana para prestar, além de cuidados de enfermagem gerais, cuidados de enfermagem especializados na área da sua especialidade.

    4   — Cuidados de enfermagem são as intervenções autónomas ou interdependentes a realizar pelo enfermeiro no âmbito das suas qualificações profissionais.

 

Artigo 5º

Caracterização dos cuidados de enfermagem

    Os cuidados de enfermagem são caracterizados por:

    1) Terem por fundamento uma interacção entre enfermeiro e utente, indivíduo, família, grupos e comunidade;

    2) Estabelecerem uma relação de ajuda com o utente;

    3) Utilizarem metodologia científica, que inclui:

  1. A identificação dos problemas de saúde em geral e de enfermagem em especial, no indivíduo, família, grupos e comunidade;

  2. A recolha e apreciação de dados sobre cada situação que se apresenta;

  3. A formulação do diagnóstico de enfermagem;

  4. A elaboração e realização de planos para a prestação de cuidados de enfermagem;

  5. A execução correcta e adequada dos cuidados de enfermagem necessários;

  6. A avaliação dos cuidados de enfermagem prestados e a reformulação das intervenções;

    4) Englobarem, de acordo com o grau de dependência do utente, as seguintes formas de actuação:

  1. Fazer por substituir a competência funcional em que o utente esteja totalmente incapacitado;

  2. Ajudar a completar a competência funcional em que o utente esteja parcialmente incapacitado;

  3. Orientar e supervisar, transmitindo informação ao utente que vise mudança de comportamento para a aquisição de estilos de vida saudáveis ou recuperação da saúde, acompanhar este processo e introduzir as correcções necessárias;

  4. Encaminhar, orientando para os recursos adequados, em função dos problemas existentes, ou promover a intervenção de outros técnicos de saúde, quando os problemas identificados não possam ser resolvidos só  pelo enfermeiro;

  5. Avaliar, verificando os resultados das intervenções de enfermagem através da observação, resposta do utente, familiares ou outros e dos registos efectuados.

 


CAPÍTULO III


Acesso ao exercício profissional


Artigo 6º

Autorização do exercício

    O exercício da profissão de enfermagem é condicionado pela obtenção de  uma cédula profissional, a emitir pela Associação Profissional dos Enfermeiros.


Artigo 7º

Relevância da autorização de exercício

    A titularidade de cédula profissional válida e eficaz constitui pressuposto de que foram obrigatoriamente verificados todos os condicionalismos requeridos para o exercício da actividade profissional dos enfermeiros.



CAPÍTULO IV


Exercício e intervenção dos enfermeiros


Artigo 8º

Exercício profissional dos enfermeiros

    1 — No exercício das suas funções, os enfermeiros deverão adoptar uma conduta responsável e ética e actuar no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

    2 — O exercício da actividade profissional dos enfermeiros tem como objectivos fundamentais a promoção da saúde, a prevenção da doença, o tratamento, a reabilitação e a reinserção social.

    3 — Os enfermeiros têm uma actuação de complementaridade funcional relativamente aos demais profissionais de saúde, mas dotada de idêntico nível de dignidade e autonomia de exercício profissional.

Artigo 9º

Intervenções dos enfermeiros

    1) As intervenções dos enfermeiros são autónomas e interdependentes.

    2) Consideram-se autónomas as acções realizadas pelos enfermeiros, sob sua única e exclusiva iniciativa e responsabilidade, de acordo com as respectivas qualificações profissionais, seja na prestação de cuidados, na gestão, no ensino, na formação ou na assessoria, com os contributos na investigação em enfermagem.

    3) Consideram-se interdependentes as acções realizadas pelos enfermeiros de acordo com as respectivas qualificações profissionais, em conjunto com outros técnicos, para atingir um objectivo comum, decorrentes de planos de acção previamente definidos pelas equipas multidisciplinares em que estão integrados e das prescrições ou orientações previamente formalizadas.

    4) Para efeitos dos números anteriores e em conformidade com o diagnóstico de enfermagem, os enfermeiros, de acordo com as suas qualificações profissionais:

  1. Organizam, coordenam, executam, supervisam e avaliam as intervenções de enfermagem aos três níveis de prevenção;

  2. Decidem sobre técnicas e meios a utilizar na prestação de cuidados de enfermagem, potenciando e rentabilizando os recursos existentes, criando a confiança e a participação activa do indivíduo, família, grupos e comunidade;

  3. Utilizam técnicas próprias da profissão de enfermagem com vista à manutenção e recuperação das funções vitais, nomeadamente respiração, alimentação, eliminação, circulação, comunicação, integridade cutânea e mobilidade;

  4. Participam na coordenação e dinamização das actividades inerentes à situação de saúde/ doença, quer o utente seja  seguido em internamento, ambulatório ou domiciliário;

  5. Procedem à administração da terapêutica prescrita, detectando os seus efeitos e actuando em conformidade, devendo, em situação de emergência, agir de acordo com a qualificação e os conhecimentos que detêm, tendo como finalidade a manutenção ou recuperação das funções vitais;

  6. Participam na elaboração e concretização de protocolos referentes a normas e critérios para administração de tratamentos e medicamentos;

  7. Procedem ao ensino do utente sobre a administração e utilização de medicamentos ou tratamentos.

    5) Os enfermeiros concebem, realizam, promovem e participam em  trabalhos de investigação que visem o progresso da enfermagem em particular e da saúde em geral.

    6) Os enfermeiros contribuem, no exercício da sua actividade na área de gestão, investigação, docência, formação e assessoria, para a   melhoria e evolução da prestação dos cuidados de enfermagem, nomeadamente:

  1. Organizando, coordenando, executando, supervisando e avaliando a formação dos enfermeiros;

  2. Avaliando e propondo os recursos humanos necessários para a prestação dos cuidados de enfermagem, estabelecendo normas e critérios de actuação e procedendo à avaliação do desempenho dos enfermeiros;

  3. Propondo protocolos e sistemas de informação adequados para a  prestação dos cuidados;

  4. Dando parecer  técnico acerca de instalações, materiais e equipamentos utilizados na prestação de cuidados de enfermagem;

  5. Colaborando na elaboração de protocolos entre as instituições de saúde e as escolas, facilitadores e dinamizadores da aprendizagem dos formandos;

  6. Participando na avaliação das necessidades da população e dos recursos existentes em matéria de enfermagem e  propondo a política geral para o exercício da profissão, ensino e formação em enfermagem;

  7. Promovendo e participando nos estudos necessários à reestruturação, actualização e valorização da profissão de enfermagem.

Artigo 10º

Delegações de tarefas

    Os enfermeiros só podem delegar tarefas em pessoal deles funcionalmente dependente quando este tenha a preparação necessária para  as executar, conjugando-se sempre a natureza das tarefas com o grau de dependência do utente em cuidados de enfermagem.

 

 

CAPÍTULO V


Direitos, deveres e incompatibilidades


Artigo 11º

Dos direitos

    Os enfermeiros têm direito:

    1) Ao livre exercício da sua profissão, sem qualquer tipo de limitações, a não ser as decorrentes do código deontológico, das leis vigentes  e dos regulamentos do exercício de enfermagem;

    2) A serem ouvidos na elaboração e aplicação da legislação respeitante à profissão em particular e à saúde em geral, a nível central, regional e local, através das respectivas estruturas representativas;

    3) A que a entidade empregadora se responsabilize pelo especial risco a que estão sujeitos no decurso da sua actividade profissional;

    4) A que sejam cumpridos os princípios referentes a prescrições e orientações de outros técnicos de saúde e protocolos daí decorrentes;

    5) Ao cumprimento das convenções e recomendações internacionais que lhes possam ser aplicáveis e que tenham sido ratificadas pelos órgãos de soberania competentes;

    6) A verem respeitado o direito de objecção de consciência nas situações legalmente protegidas;

    7) A ser substituídos após cumprimento da sua jornada de trabalho;

    8) A usufruir de condições de trabalho que garantam o respeito pela deontologia profissional;

    9) A beneficiar de condições de acesso à formação para actualização e aperfeiçoamento profissional;

    10) A ser informados dos aspectos relacionados com o diagnóstico clínico, tratamento e bem-estar dos indivíduos, famílias, grupos e   comunidade ao seu cuidado;

    11) A beneficiar das garantias e regalias de outros trabalhadores de saúde do sector onde exerçam a profissão, quando mais favoráveis.

 

Artigo 12º

Dos deveres

    Os enfermeiros estão obrigados a:


    1) Apoiar todas as medidas que visem melhorar a qualidade dos cuidados e dos serviços de enfermagem;

    2) Respeitar a decisão do utente de receber ou recusar a prestação de cuidados que lhe foi proposta, salvo disposição especial da lei;

    3) Respeitar e possibilitar ao utente a liberdade de opção em ser cuidado por outro enfermeiro, caso tal opção seja viável e não ponha em   risco a sua saúde;

    4) Esclarecer o utente e os seus familiares, sempre que estes o solicitem, sobre os cuidados que lhe prestam;

    5) Assegurar por todos os meios ao seu alcance a manutenção da vida do utente em caso de emergência;

    6) Manter-se no seu posto de trabalho, enquanto não forem substituídos, quando a sua ausência interferir na continuidade de cuidados;

    7) Solicitar o apoio de outros técnicos, sempre que exigível por força das condições do utente;

    8) Cumprir e zelar pelo cumprimento da legislação referente ao exercício da profissão;

    9) Comunicar os factos de que tenham conhecimento e possam comprometer a dignidade da  profissão ou a saúde do utente ou sejam susceptíveis de violar as normas legais do exercício da profissão;

    10) Exercer os cargos para que tenham sido eleitos ou nomeados e cumprir os mandatos, só podendo haver interrupção quando devidamente justificada;

    11) Colaborar em todas as iniciativas que sejam de interesse ou de prestígio para a profissão.

 

 

CAPÍTULO VI


Disposições finais


Artigo 13º

Revisão

    O REPE será revisto no prazo de cinco anos contados da sua entrada em vigor, devendo ser recolhidos os elementos úteis resultantes da sua aplicação para introdução das alterações que se mostrem necessárias.

Artigo 14º


Entrada em vigor

    As disposições contidas no presente decreto-lei que não sejam susceptíveis de aplicação imediata entram em vigor com o Estatuto da Associação Profissional dos Enfermeiros.

    Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 29 de Maio de 1996.

—António Manuel de Oliveira Guterres—Mário Fernando de Campos Pinto—Artur Aurélio Teixeira Rodrigues Consolado—José Eduardo Vera Cruz Jardim—Eduardo Carrega Marçal Grilo—Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina—Maria João Fernandes Rodrigues—Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues—Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.

Promulgado em 14 de Agosto de 1996.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 21 de Agosto de 1996.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres